Feliz aniversário, André Luiz! Seja feliz, sempre!

Luiz Alberto Sanz

O dia 23 de setembro tem, para mim, um brilho especial, que vai além da primeira alvorada da Primavera. Em 1966 nasceu meu primeiro filho, André Luiz, mais conhecido como André Sanz) e algumas décadas depois nasceria meu quarto sobrinho neto, Lucas, filho de Cláudia e neto de Sergio Sanz. Ambos neste mesmo dia.

Para ressaltar a importância da data, fui buscar no fundo do poço da memória a cópia de uma carta que escrevi para o André em 20 de setembro de 1974 e lhe enviei do nosso (de Odila, Joca e meu) exílio em Estocolmo. Odila, minha companheira, e André já se conheciam. Ele lhe deu o apelido de Didi quando ainda falava poucas palavras e foi ela que o chamou de Dedé pela primeira vez. Joca é o meu terceiro filho, nascido no Chile, e só veio a conhecer seus irmãos em dezembro de 1969, quando, anistiados, retornamos ao Brasil.

Aqui vai o fac-símile da carta:

Minha irmã, Sandra

Hoje, minha irmã de sangue e espírito, Sandra Barreto Sanz de Oliveira, completa 79 anos. Seis mais do que eu.

Sempre foi uma pessoa notável, de uma sabedoria que eu próprio demorei a descobrir. Odila, minha companheira de vida, sempre soube. As duas tinham muito em comum. A maneira simples, a conversa franca e direta. Corresponderam-se durante todo o nosso (de Odila e meu) tempo de exílio. Nessas cartas, Sandra deixou registrada a evolução de pensamento que nos aproximou para além do afeto.

Na nossa juventude, Sandra e eu nos afastamos por questões mal resolvidas de fé. Aos treze anos eu me batizara por influência dela e de Tião, Sebastião de Oliveira, 1972-verao-em-santiago-03-odila-e-sandra-2seu marido e meu padrinho. Aos 19, tornei-me comunista. Comportei-me muito mal com ela. Fazia provocações, como pôr o emblema da foice e do martelo no lugar da estrela de Belém na árvore de Natal. Infantilidades.

Logo, veio o golpe e ela começou a compreender melhor o nosso lado da questão. Sobretudo depois que eu fui para a clandestinidade e Sergio Sanz, nosso irmão, foi preso em meu lugar. Lembrei isto em um conto chamado Era, publicado em uma revista do exílio em Estocolmo: “Não tem tu, vai tu mesmo”. Quando fui banido, ela, os filhos Zé Luiz, Mônica e Mario Sergio, meus sobrinhos, minhas duas mães, Luiza e Maria Augusta, e minha sobrinha Jussara foram ao Chile. Aí se estreitou a relação dela com Odila (na foto, conversam em um ônibus em Santiago) e aprofundou-se nossa interlocução. Não sem tropeços.

Hoje, ela foi passar o dia na casa da neta Nathalia. Já deve haver fotos por aí, registrando o encontro. Sinal dos tempos. Não pude ir. Amanhã vou tomar um lanche com ela, Tião (que continua a ser meu padrinho, embora eu seja anarquista) e quem mais aparecer. Vamos conversar como sempre fazemos, surpresos ainda pela forma como nos tornamos tão próximos, tão amigos. Ela, sempre católica e eu cada vez mais ateu (se isso é possível). Ela, há décadas, petista. Eu, essencialmente ácrata.

Sandra se tornou a sábia anciã com quem me aconselho nas minhas angústias. Papel que era de minhas mães e de Odila. Amanhã estarei em seu apartamento para testemunhar minha admiração e carinho e pôr-me à disposição, dela e de Tião, como fizeram tantas vezes por mim, sem que eu precisasse pedir.

Em 30 de outubro de 1975, ela nos escreveu para Estocolmo. Nós estávamos nos preparando para transferir-nos a Portugal, onde eu iria trabalhar no Instituto de Cinema e Odila voltaria a estudar. Não deu certo. Vinte e cinco dias depois houve o golpe socialdemocrata que afastou a esquerda do MFA e frustrou meus planos. De alguma maneira, Sandra intuiu que isso poderia acontecer e temia uma solução mais trágica do que a que levou heróis do 25 de Abril, como os capitães Otelo e Paulino à prisão:

“Dia 22 levantei feliz, agradecendo a Deus meus 38 anos. Mais feliz fiquei com a chegada da carta de vocês. Sinto uma saudade que dói até os ossos, uma vontade enorme de estar perto, abraçar, beijar, conversar e até brigar. As cartas que chegam aumentam a saudade, mas me fazem feliz.

“Irmãos, é bom viver quando existe a esperança e o amor que a força de Cristo nos dá.

(…)

“Tenho pensado muito na ida de vocês para Portugal. No princípio, tive muito medo de vê-los sofrer mais uma vez, acreditem, a cena do Chile ainda me vem à mente e fico apavorada.”

Agradeço a ti e ao Tião por serem essencialmente bons e solidários, coerentes com o que pregam. E por tudo que fizeram por mim, minha saudosa companheira e meus filhos.

FELIZ ANIVERSÁRIO, MAIS UMA VEZ, MINHA IRMÃ!