(☼01/10/1909, em Santa Maria, RS, † 01/12/1996 no Rio de Janeiro, RJ)
Anotações sobre o tempo de viver
Há o tempo de semear e o tempo de colher: isto Elisa aprendera muito cedo, vendo e ouvindo as coisas da Estância. Não da sua estância, naturalmente, que de seu nunca tivera mais do que a diminuta varanda do apartamento fabricado em série para os inumeráveis contribuintes de Institutos. Lembrava-se, com mais ternura que saudade, dos grandes quintais das várias casas em que alimentara seus sonhos de grande cidade.
E agora, na penumbra precoce. Observando os reflexos do sol através dos sujos blocos de cimento armado que se interpunham entre ela e o horizonte sonhado, imaginava o pampa longínquo e a frase aprendida na infância martelava-lhe as têmporas. Porque a frase lhe trazia a memória da estância que não chegara a conhecer? A estância onde sua mãe traçara um destino de disco voador sem astronauta.
Quando Elisa nasceu, seu avô já havia morrido e, com ele, toda a glória da família. Ficara a lenda do latifundiário que tudo perdera, inclusive a vida, por culpa de sua alma de libertador, incapaz…[1]
A volta
Aqui estou eu, neste anoitecer de 1º de janeiro de 1979, dez anos após o maior desmoronamento desta minha vida[2], tão beneficiada por quedas, trambolhões e rolar de ladeiras e morros, já que montanhas altas nunca me foi dado escalar. Estou um tanto zonza, quase apatetada, e as ideias se aglomeram em minha cabeça, transformando-a, mais uma vez, em um fantástico liquidificador, onde bailam ingredientes impossíveis de misturar, tais como a compreensão, a angústia, a dúvida, o medo, a descrença e a esperança.
[1] Este texto inacabado sobre Elisa, personagem certamente fictício, contém referências à História de Luiza. Provavelmente é uma tentativa de conseguir contar sua vida e seus pensamentos utilizando-se de uma protagonista ficcional. O avô latifundiário com espírito libertador foi o Coronel Luiz Gonzaga de Azevedo (☼19-08-1854 em Cruz Alta, RS, e †07-09-1909 em Tupanciretã), primeiro Intendente (Prefeito) eleito de Vila Rica (logo depois renomeada como Júlio de Castilhos), município onde fica a Estância Vista Alegre, que pertencera ao bisavô materno de Luiza, o farroupilha Serafim Corrêa de Barros, O Bravo, e onde sua avó, Francisca Corrêa de Azevedo, e sua mãe, Gonçalina Corrêa de Azevedo, cresceram. A estância, referência nostálgica de minha mãe, já não era da família quando ela nasceu. Mas essa é História para ser contada em outra hora e talvez por outra pessoa, mais informada que eu.
[2] No dia 19 de novembro de 1969, fugindo do Exército, que me procurava por atividades políticas, entrei na clandestinidade. No dia seguinte, meu irmão, Sergio Sanz, foi preso em meu lugar, sendo levado para o Quartel da Polícia do Exército. Aí, para Luiza, começou um pesadelo que lhe traria à memória tudo que passara na Ditadura de Getúlio Vargas com a prisão de seu irmão, o jornalista Barreto Leite Filho, consequência da apreensão do arquivo de Luiz Carlos Prestes. Quando fez esta anotação, Luiza, ativa no Comitê Brasileiro de Anistia, estava sob a tensão da possível aprovação da Lei que permitiria a volta ao Brasil de numerosos banidos e exilados, entre eles eu, minha companheira Maria Odila Rangel e nosso filho João Luiz Rangel Sanz, o Joca Sanz., o que aconteceu em agosto daquele ano.