Nossa pessoa, persona, personagem, de hoje é Luiza Helena Barreto Leite Valdez, a Duddu Barreto Leite, educadora, atriz, diretora, blogueira, roqueira de primeira hora no Brasil, chef de cuisine e restauratrice, uma pioneira entre as garotas-propaganda, diretora de produção cinematográfica, administradora cultural, modelo ocasional, ativista política por mais de seis décadas, mãe de três e de outros tantos que acolheu sob suas asas, amiga de seus/suas amigos/amigas. Em suma, como se dizia na gíria dos tempos em que crescemos, ela e eu, Pedra 90. Pessoa valorosa, que não falta à palavra.

Duddu tem 83 anos. Está doente, internada na Santa Casa da Misericórdia de Lorena, São Paulo. Cercada por amigos que são parentes e parentes que são amigos. Hoje, quero expressar meu amor por ela publicando um artigo de Luiza Barreto Leite editado pela primeira vez em fevereiro de 1965 no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e incorporado ao livro A mulher no teatro brasileiro, lançado no mesmo ano por Edições Espetáculo. Haverá outros artigos sobre esta matriarca rebelde é só um começo.

DUDU, MODÉSTIA À PARTE, É MINHA SOBRINHA

Luiza Barreto Leite

(Fevereiro de 1965)

Sobrinha e quase filha, pois para meus desocupados braços de solteira veio a mais linda africaninha loura jamais posta no mundo, quando minha irmã Maria, já desaclimatada de nossa terra, recaiu do impaludismo adquirido na Guiné Portuguesa, de onde viera em prevista viagem de repouso, trazendo Vera no bojo do ventre.

Era preciso cuidá-la duplamente e nossa mãe deixou comigo a menina de dois anos e pouco, que a todos seduzia com seus grandes olhos sorridentes, um imenso e permanente mostrar de dentinhos brancos, através dos quais gargalhava palavras ininteligíveis, metade em patuá bijagó, metade em português colonial. Passei a levá-la à praia e ensinar-lhe brasileiro; em breve todos a namoravam mas só eu a entendia. Chamava os moços de mamãe, indistintamente e todas as moças queriam pajeá-la. No ponto em que sentasse brotavam da areia tantos rapazes quantos tatuís e muitos namoros pegaram com a brincadeira de construir castelos.

Castelos, na verdade, tanto na areia, quanto no ar e no mar têm sido até hoje a herança materna de Luiza Helena Barreto Leite Valdez, carteira modelo 19, herdada do pai industrial e português. O resto é dela mesma, do que sobrou da adorável menina de linguagem enrolada, para a encantadora moça cuja vida é um constante girar de carretel. Esse girar de atriz Helena Barreto Leite – Dudu em família de um sem fim de amigos – outra coisa não é senão o enrolar e desenrolar de um matriarcado tão tradicional na formação do teatro brasileiro, quanto na reformulação do mundo moderno.

Nada pretendo dizer das idas e vindas da garota-mulher, ora em Paris, onde estava sua mãe, ora em São Paulo, onde estava sua carreira, ora no Rio, onde ficava sua tia, sempre à espera dos que partem e voltam. Quero apenas falar do pequeno carretel que começa finalmente a utilizar seu fio de ilusão para tecer uma imponderável rede de ternura cultural, capaz de envolver todas as crianças e todos os operários ao seu alcance. São os castelos herdados que movimentam seus fantasmas lá pelas bandas de São Paulo, onde o teatro vem encontrando aquele apoio por aqui sonhado em vão por quantos o acreditam inseparável da educação. E assim muitos dos sonhos que sonhei, muitos dos projetos que projetei, começam a funcionar com minha filha mais velha e também a mais pródiga, aquela que caiu da África em meus braços de solteira e nunca deixou de voltar a eles quando em seu terreiro o galo deixa de cantar e a mãe que a gerou anda por longes terras.

E ainda há quem diga que não vale a pena soltar sementes ao vento ou plantá-las nos vasos da pequena varanda de nossos restritos apartamentos. A semente do teatro didático realizado nas próprias escolas, por e para crianças e adolescentes, obsessão frustrada de minha vida, teria sido apanhada por esta sobrinha no vaso de minha janela, ou durante o curso realizado no Teatro Nacional Popular, quando, já estrelinha do Teatro Brasileiro de Comédia, foi para Paris com minha irmã Maria? Pouco importa, só interessa vê-la definitivamente (segundo parece e espero) integrada no belo movimento que o estado de São Paulo vem mantendo há alguns anos, tanto nas escolas da capital quanto nas do interior, Dudu pertence à equipe destacada para orientar técnicamente as professoras de Barretos, Rio Claro, São Paulo, Americana e Batatais; onde estão sendo realizadas as primeiras experiências de educação de grupo através do teatro. Seu setor é Americana, onde passa todas as segundas-feiras e parte das terças, só voltando à capital com tempo de interpretar a esfuziante Lisette, em “Caprichos do Amor e do Acaso”, de Marivaux, que, em tradução de Eduardo Manuel Curado esta em seus últimos dias de sucesso no Teatro da Aliança Francesa, alugado pelo Teatro Popular do Sesi para a bela experiência de oferecer aos operários um repertório dos mais requintados, sob a direção de Osmar Rodrigues Cruz, com cenários de Clóvis Garcia.

A aceitação foi total, mas o problema de casas de espetáculos, apesar de menos agudo, também existe na capital paulista, interrompendo a programação, feita a longo prazo e longo alcance cultural, mas nova sede foi encontrada para tão importante obra. Nize Silva é a outra jovem profissional do sonho que compõe o elenco, interpretando Silvia.

“A Sapateira Prodigiosa”, de Lorca é a continuação do programa para o trabalhador. Além do que, juntamente com Nilda Maria, sua irmã na posse do terceiro castelo de sonho, praticará todos os malabarismos para mantê-lo em pé, continuando a fazer a felicidade das crianças que, no Teatro Infantil e Juvenil, de fantoches, sombras e marionetes, encontram o prazer de viver em um mundo tão pouco preocupado com elas. E nas manhãs dos sábados e domingos, desse São Paulo sem praias e de sol intermitente, que Nilda e Dudu levam seus bonecos às escolas e asilos onde meninos de todas as raças as recebem como se fossem fadas. E são. Que Deus as proteja e permita a realização total de seus sonhos. Se os homens já estão chegando à Lua, por que não poderemos manter a estabilidade dos castelos de sonho?

4 comentários sobre “Duddu Barreto Leite, matriarca rebelde I

    • Agradeço em nome dela e vou lhe transmitir tuas palavras. Não sei que você sabe que ela tem duas páginas no FaceBook, uma como Luiza Helena Barreto Leite Valdez, outra chamada “Minhas Aventuras E Peripécias Enquanto Passei Por Aqui”. Esta é para contar as histórias dela e sobre ela. Acho que seria muito bom para ela que você escrevesse, em qualquer das duas, isto que me dissestes. Vai animá-la. Tudo que sai lá, as pessoas que a acompanham contam para ela. Grande abraço.

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  1. ARTIGO MARAVILHOSO, DE PESSOA, A MAIS AMADA A QUEM DEVO ,PRATICAMENTE A MINHA AUTO ESTIMA E OS CUIDADOS AFETUOSO QUE RECEBI DURANTE A GRAVIDEZ DE MEU PIMEIRO FILHO ATHON , SEU AFILHADO.APENDI TANTO C\ DUDU POIS ELA ENTENDE E SABE SOBRE TODAS AS, COISAS, ERA A MATRIARCA REBELDE E MUITO, MUITO SÁBIA QUE A TODOS AUDA E ENCANTA. FIQUE BEM LOGO ,POIS TE AMAMOS E PRECISAMOS DE VC.
    CARINHO E GRATIDÃO
    MIRIAM NAMUR

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